quarta-feira, 8 de setembro de 2010

RETRATOS DA ARTE E DA ALMA





Com o intuito de relembrar e reavivar meu interesse por trabalhos acadêmicos, o post de hoje é um artigo escrito por mim em 2005 (ui!) durante o curso de Letras.
É meio extenso, mas como gostei muito de escrevê-lo, espero que alguns apreciem a leitura.



Com origem na Alemanha e na Inglaterra, o Romantismo - tendência que se manifesta nas artes e na literatura entre o final do século XVIII e a primeira metade do século XIX - ganhou força ao chegar à França, espalhando-se por toda a Europa e posteriormente, pelas Américas.

O Romantismo impulsionou uma ruptura estrutural e temática na Literatura, proporcionando ao escritor uma liberdade de expressão, um sentimentalismo e um subjetivismo antes não explorados. Opôs-se ao racionalismo, à contenção e ao intelectualismo pregados pelos estilos que o antecederam.
Para os artistas românticos, o transbordamento da emoção, fantasia e o individualismo foram pilares de sua expressão, cultuando a liberdade de criação, a evasão da realidade através dos sonhos, dos devaneios e a função sacralizadora da arte.

“Os autores românticos revelam no artista uma capacidade de criar mundos imaginários e de acreditar na realidade dos mesmos. Do choque do seu eu com o mundo, o escritor evade-se na aspiração por esse ou outro mundo distinto, situados no passado ou no futuro e onde ele não encontra as dificuldades que enfrenta na realidade imediatamente circundante”.(Proença, p.216 )

Neste contexto, autores como Edgar Allan Poe e posteriormente Oscar Wilde destacam-se significativamente. Poe, com suas narrativas um tanto sobrenaturais, carregadas de mistério, alucinações, terror e morte, consegue retratar os medos e as angústias que assombram a mente humana. Wilde, reconhecendo em Poe um mestre, escreve de forma semelhante, mas um de seus temas preferidos é o elogio da estética e da arte como via de escape dos limites humanos, defendendo a liberdade de escolha, de comportamentos e de expressão.

Possuidor de imensa genialidade, aliada às características inerentes ao contexto romântico, Edgar Allan Poe (1809-1849) viveu de forma singular, passando por inúmeras intempéries, como as dificuldades financeiras, o alcoolismo, enfermidades sofridas por ele, e as mortes de sua mãe e de sua esposa Virginia (tuberculose), o abandono do pai e a rejeição do padrasto, além de conflitos relacionados ao trabalho.
Adversidades que não dificultaram a construção de sua obra literária, de intensa originalidade, influenciado por uma forte tendência byronista.

No conto “O Retrato Oval”, Poe prepara um cenário de mistério, remetendo á uma sensação de terror, já no início do conto. O ambiente é um castelo abandonado, o que leva o leitor a um retorno ao passado, a uma viagem transcendental.
Neste castelo, hospedam-se um homem gravemente ferido (o personagem-narrador) e seu criado.

O fato de o personagem narrador ser um amante das artes, exímio conhecedor da pintura e de suas técnicas, de admirar a arquitetura do castelo e sua decoração, expõe a visão de Poe acerca da teoria da arte pela arte, repudiando o utilitarismo burguês.

Exausto, o homem ferido entrega-se à admiração dos quadros que o cercam e à leitura de um livrinho que continha a descrição das pinturas.No entanto, quando seu olhar se depara com um quadro de moldura oval ate então despercebido, encanta-se (e espanta-se) com uma peculiaridade nesta pintura em especial: à “expressão de uma absoluta aparência de vida”.(p.281), o que o faz imaginar se a surpreendente visão não seria apenas uma ilusão provocada pela mente, fruto do semitorpor em que se encontrava.

Agitado, procurou no livrinho a história referente ao retrato oval. Conta-se que a mulher retratada no quadro era esposa do pintor – este, apaixonado pela arte, considerava sua esposa detentora do belo, e pintava sua imagem com paixão, com intenso prazer, extasiado por esta ser sua mais bela obra.

Para o pintor, a arte era a essência da vida e a sua pintura era, portanto, a própria vida, de forma que, com o decorrer do tempo, à medida que sua pintura ia ganhando forma e cor sobre a tela, sua esposa, simultaneamente, perdia a vivacidade, morrendo aos poucos sob a escassa luz que projetava-se no torreão.

Não apenas o conceito da arte como o belo, mas o da idealização da mulher é percebido no conto. A mulher, da rara beleza, submissa, humilde e obediente, apesar de odiar a Arte como uma rival, se deixa ser retratada, imortalizada pelo pintor, por amor a ele, morrendo por ele, mas transfundindo-se para a tela. A arte e o belo estão intimamente ligados – juntos, são a própria vida – e sem a existência do belo, a arte não existe, existe apenas a morte.

Oscar Wilde (1854 – 1900), excêntrico contestador e um dos grandes nomes da Inglaterra vitoriana, escreveu histórias de refinadíssima beleza, mescladas a uma tristeza cruel, a uma intensa amargura, de grandes amores fracassados, de corações partidos e de dura sátira social. Em suas obras ataca as convenções sociais estabelecidas e critica impiedosamente a mentalidade burguesa e a moral rígida da sociedade vitoriana.

Em “O Retrato de Dorian Gray”, são perceptíveis inúmeras características românticas; ao início do livro, a instabilidade emocional dos personagens reflete um ilogismo sutil, principalmente em se tratando de Dorian, um jovem extremamente belo que, num reconhecimento narcíseo, apaixona-se pela própria beleza (admirada e cobiçada por todos) ao ver sua imagem retratada num quadro por um amigo – imagem esta que envelhece e adquire as marcas da corrupção e dos atos vis que Dorian pratica, de forma que ele permaneça jovem e belo, mas iludido e angustiado.

O personagem Dorian Gray sofre de uma inadaptação ao mundo real, através da consciência da solidão. Aspira por um mundo diferente, refugiando-se no mundo da riqueza e das artes, com uma tendência ao exagero, deleitando-se com os prazeres proporcionados pela arte e pelo belo.

Idealiza a mulher amada, mas a partir do momento em que ela abre mão de sua vida para viver em função dele, ele a despreza.

Com o passar dos anos, Dorian começa a se sentir oprimido e excluído, e como o mestre Edgar Allan Poe, Oscar Wilde apresenta soluções psicológicas para o desfecho da história, que se assemelha a um conto fantástico de Poe. Dorian pode ser considerado um herói trágico, pois apesar do que cometeu movido pela ilusão da beleza física, pelo seu egocentrismo exacerbado, apela para a evasão das evasões: a morte. Resolve destruir o quadro que lhe condena, por não conseguir mais olhar para a própria imagem deformada, o retrato de sua própria alma enquanto seu corpo permanecia no limiar da juventude. Simultaneamente, ao destruir o quadro, Dorian Gray dá fim à sua existência.




Referências

GOTLIB, Nadia Batella. Teoria do Conto. São Paulo: Atica, 1995.

POE, Edgar Allan. Ficção Completa, Poesia e Ensaios; 4ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2001.

PROENÇA, Domício Filho. Estilos de Época na Literatura. 15ed. São Paulo: Ática, 1995;

WILDE, Oscar. O Retrato de Dorian Gray. Rio de Janeiro: Otto Pierre, 1979.

HAUSER, Arnold. Historia Social da arte e da literatura. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

4 comentários:

Flávia Mendes disse...

Cleo... adoro seus textos, escreve muito bem, hein menina! rs
Blog tá lindo, parabéns!
Sou sua fã.
Abraço!

Lâmina da Lingua disse...

Que orgulho dessa garota!!!

Cleonice Braz disse...

Aaaaaaahhh... (ruborizada)
Flavinha e Fabrício...

Obrigada!!!

Bjim procês!

Vanessa Souza disse...

Adoro Poe e Wilde.